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A vida de Sundays

A vida de Sundays

É quase a mesma coisa.

Não, não morri. Estou só a terminar a tese de mestrado, cuja boa parte da análise dos dados perdi quando o meu computador resolveu adoecer. Já ultrapassei a fase da negação e, lentamente, vou deixando para trás a do desespero, dando lugar a uma crescente motivação para fazer tudo de novo. Não, não morri. Mas é quase a mesma coisa.

 

Já vos aconteceu? Querem partilhar dores semelhantes que vos tenham afrontado? Sintam-se à vontade, façam-me sentir menos sozinha. Que isto dá uma dor de alma que nem vos conto.

O dentista da incompetência

Tinha umas quantas cáries para tratar e umas quantas consultas marcadas para o fazer. Ora, o meu protocolo de saúde (através da empresa do meu pai) termina no fim de novembro e não o vou poder renovar, uma vez que deixo de estudar. O meu objectivo é colocar o aparelho de ortodontia até esta data, pelo que a médica da especialidade me encaminhou para outra médica, que me trataria as cáries para posteriormente voltar à primeira médica e colocar o aparelho. Tinha então o plano todo certinho, umas quantas para uma médica e a consulta final para a outra, a fim de fazer os moldes do aparelho e dar seguimento ao processo. Antes de mais, um aparte:

 

Dia 25 de Julho: mensagem de texto a referir que tenho uma mensagem de voz no voicemail. É tão raro receber mensagens de voz que achei que tinha sido algum engano. Depois das marcações indicadas, a mensagem: senhora Sundays (vá, claro que não foi Sundays, mas vocês entendem), é só para informar que a sua consulta de dia 31 de Julho foi desmarcada, porque a doutora estará ausente. Espera aí, uma mensagem de voz a desmarcar uma consulta? Eu admito que recebi uma chamada do mesmo número, mas foi só mesmo uma, não podiam ter tentado contactar-me novamente para que, no mínimo, pudesse marcar nova consulta? Mas tudo bem. Adiante.

 

 

Esta segunda-feira tive mais uma das consultas - com dois tempos (uma consulta a seguir a outra) - e seria, supostamente, a última. Depois de uma espera de 30min, entrei. E sai pouco depois. Uma consulta que não deveria ter demorado menos de 45min resumiu-me a 15, se tanto.

 

"Afinal precisamos de outra consulta" (ignoramos o facto de esta ter tido menos de metade do tempo que devia, é isso?)

"Ai sim? E consegue-me ainda para este mês, de forma a ser antes da consulta de ortodontia?"

"Pois, isso é complicado... Faça assim, venha cá na quinta-feira, e eu encaixo-a entre pacientes. Pode é ter de esperar um bocadinho".

 

Tudo bem, adiante.

 

Ontem lá estava, à hora indicada. Marquei presença na recepção, expliquei que não tinha consulta mas que a médica me tinha dito para aparecer. Esperei duas horas. DUAS HORAS. E foi quando comecei a sentir bichinhos nas pernas e no rabo - fruto da impaciência e da impossibilidade de continuar sentada na cadeira por muito mais tempo - que decidi ir à recepção perguntar se, por acaso, mas só mesmo por acaso, se tinham esquecido de mim...

 

Recepcionista: "Está aqui há duas horas?" (sobressalto e olhos esbugalhados de incredulidade)

Eu: "Sim, a médica disse que tinha de esperar, mas não contava que fosse tanto tempo... Se soubesse tinha ido dar uma volta"

Recepcionista: "Espere um bocadinho que vou falar com ela"

 

Os longos cinco minutos de espera fizeram-me adivinhar a resposta que a senhora me deu: a médica já não me ia conseguir ver, ia passar-me para outro médico que me pudesse atender.

 

Eu: "Talvez pudessem ter feito isso há mais tempo, não?"

Recepcionista: "É assim, a senhora nem sequer tem consulta marcada, é extra, estava sujeita" (a sério?!)

Eu: "Tão sujeita como da última vez que vim cá, tinha duas consultas e fui atendida em menos tempo de uma? Além da consulta que simpaticamente me desmarcaram via voicemail"

Recepcionista: "Ah mas issoooo..." (encolher de ombros e um esgar de desresponsabilização)

 

Entrei para a consulta com o novo médico, um senhor com 50 e muitos anos, por sinal aparentemente muito simpático e profissional. Perguntei-lhe se estava a par da situação de que a outra doutora supostamente terminaria naquela consulta a minha restauração dentária. Seguiu-se o diálogo:

 

Dentista: "Eu não vou ter tempo para isso. Vamos ver o que posso fazer"

Eu: "Eu compreendo, mas estou à espera há mais de duas horas com esse objectivo. Isto porque a doutora na última vez não me fez a consulta completa"

Dentista: "Pois mas isso tem de falar é com ela. Eu não vou prejudicar outros pacientes por causa de uma consulta que nem sequer está marcada, é extra" (tem toda a razão o senhor, não tem culpa nenhuma. Mas vamos insistir na ideia de que me estão a fazer um favor?!) "Além disso, porque é que só agora é que se lembrou de fazer este tratamento e colocar o aparelho, a poucos meses de terminar o protocolo de saúde? A responsabilidade é, antes de mais, sua, não acha?"

 

Ok, aqui entramos no domínio pessoal e do JÁ PENSOU EM METER-SE NA SUA VIDA?, que só não disse porque, aparentemente, sou mais respeituosa do que o senhor. Comedi-me: "talvez porque só agora tive condições monetárias para o fazer? (o protocolo de saúde só cobre metade do tratamento) e porque até então não me tinham dito que tinha cáries pra tratar" ("incompetência de algum colega seu", apeteceu-me dizer).

 

Não compreendo como tamanha desorganização permite que um paciente seja tratado desta forma, como se de facto, estivessem a fazer pura caridade a alguém muito mal agradecido. O que mais me chateia nem é o tempo de espera, se calhar nem o facto de não ter tido as consultas terminadas como seria suposto, mas sim a desresponsabilização de parte a parte, num consultório de estomatologia que serve - atentem - trabalhadores de duas das maiores empresas nacionais deste país. De facto, a licenciatura não ensina boa educação e competência. E eu só não pedi o livro de reclamações por falta de lembrança.

E depois do 12º, o que é que vem?

Há alturas na vida que sabemos que são determinantes e que vão definir aquilo que seremos no mundo e o nosso papel na sociedade. A escolha do curso e da respectiva universidade é, muito provavelmente, a mais importante de todas. Este verão é a vez da minha prima escolher o seu destino no que diz respeito a este assunto e, confesso, nutro por ela e pela situação em que se encontra um certo carinho compreensivo de quem conhece bem aquele turbilhão de sentimentos e angústias.

 

É muito bonito quando temos uma vocação, quando crescemos na certeza do que queremos fazer e, com orgulho, levamos a mão ao peito quando falamos na profissão que almejamos. Bonito, não é? Mas muito improvável. A verdade é que a maioria dos adolescentes e jovens, mais ou menos promissores (porque nem só de universidades se fazem bons profissionais e, sejamos realistas, nem todos estão vocacionados para isso), não têm noção daquilo que realmente querem fazer no futuro. Ou melhor, há sempre a vontade de ser isto ou aquilo, mas muitas vezes essa vontade é alimentada por um misto de influências dos meios de comunicação e uma vontade de conquistar o mundo. Lembro-me perfeitamente que, por volta dos meus 12 anos, jurava a pés juntos que o meu futuro passava por ser actriz. Aos 15, preferia ser psicóloga criminal, aos 17 já hesitava entre psicologia criminal e criminologia da pura. Só quando tive à minha frente o impresso para preencher com a lista de cursos que queria é que decidi escolher algo relacionado com aquilo que mais gosto de fazer: escrever, produzir conteúdos, comunicar, criar. Escolhi comunicação. Mas foi um impulso do momento, um bocadinho às cegas, apesar de saber que algures, dentro daquela área imensa, estaria aquilo que queria realmente fazer.

 

Parece-me que o grande problema é o facto de os jovens que terminam o secundário o fazerem sem a mínima noção do que é o lado prático de cada profissão. Sim, sabem que se são de ciências podem ser dentistas, cirurgiões ou químicos, profissões que conhecemos bem e das quais sabemos mais ou menos o que esperar... Mas então e os engenheiros agrónomos, os geólogos, os gestores financeiros ou administrativos? O que é que esta gente faz no dia-a-dia? Em conversa com a minha prima (e que não foi novidade nenhuma porque senti exactamente o mesmo) ela diz-me isto: "é que não sei o que é que se faz em cada profissão, na prática". Não sabes porque ninguém te explica. Porque o sistema escolar continua a insistir que uma série de testes que pedem para seleccionar as coisas que nos imaginamos ou gostamos de fazer, entre as quais estão opções tão variadas como "cantar" ou "tourear um touro" (juro que isto estava no teste psicotécnico, não me esqueço), é suficiente para decidir o nosso destino. Não é. É preciso mostrar o que acontece quando se mete "a mão na massa". Como é um dia de um jornalista, de um geólogo ou de um gestor, falar-lhes do horário de trabalho, das implicações. Explicar-lhes que ser jornalista não é só escrever, ser geólogo não é só fazer escavações e que os gestores não se limitam a fazer contas. Não é fácil, que não é, mas não é impossível. Duas horas por semana inseridas no plano curricular do 12º davam tempo para trazer oradores convidados de diferentes áreas, apresentar casos práticos e, quem sabe, visitar empresas e conhecer o contexto real de trabalho. Uma espécie de Kidzania para recém-adultos. Mais do que isso, fomentava a ambição, o querer conhecer e saber fazer. Talvez essa seja a chave para um país mais produtivo, de trabalhadores mais felizes e cidadãos realizados.

Constatações.

Pior do que acordar e ter uma quantidade astronómica de coisas para escrever e fazer em poucos dias, só mesmo acordar constipada, com uma valente dor de garganta, e ter uma quantidade astronómica de coisas para escrever e fazer em poucos dias. Um dia ainda me vou rir disto tudo e dizer aos aspirantes a mestres da altura "pfuu, essa merda não custa nada, escreve-se em um mês com uma perna às costas!", só assim para abafar os serezinhos que agora desvalorizam a coisa ao máximo. 

Ainda há pessoas fofinhas no mundo!

Ontem, estava eu entretida a procurar bibliografia para a minha tese de mestrado, quando me deparo com um livro, da autoria de um senhor espanhol, que era mesmo, mesmo perfeitinho para me servir de apoio ao tema que estou a estudar. Comecei a fazer uma pesquisa no Google a ver se o dito existia em alguma livraria, biblioteca, onde quer que fosse que eu pudesse, pelo menos, dar uma vista de olhos. A verdade é que o dito cujo não deu sinais de existir por cá, em terras lusas. E, se há coisa que eu sou (e me orgulho de ser) é persistente. Conheço muita boa gente, e já lidei com várias pessoas no dia-a-dia que são, errrr.... como dizer? Comodistas. Deixam-se estar e pouco fazem para conseguir aquilo que querem, ou, por outras palavras, se as coisas não lhes vierem parar abaixo do nariz, nada feito. Eu gosto de utilizar todos os recursos que tenho, falar com as pessoas certas, utilizar as referências que me parecem mais convenientes... Mesmo que saiba que não é obrigatório, se enriquece o produto final (seja ele qual for) então bora lá. Esta regrazinha persegue-me e espero levá-la até ao fim da minha singela vidinha, em tudo quanto é pormenor. Isto tudo para dizer que, não havia livro, mas encontrei o mail do autor e resolvi entrar em contacto com o mesmo. Bom, tinha tanto a perder como tinha de esperança: nenhuma. Mas, ainda assim, pareceu-me o mais correcto. Saquei dos meus dotes linguísticos de castelhano e enviei o mail ao senhor a perguntar qual seria a melhor forma de ter acesso ao livro, enquanto pensava "este mail provavelmente está desactualizado, e se não estiver, o fulano vai olhar e nem vai ler, e, se ler, dá uma gargalhada maquiavélica e manda para o Lixo". Ora, pois bem. Ainda há gente boa no mundo. Não é que esta manhã quando fui consultar a caixa, já tinha uma resposta? E mais, o senhor respondeu-me simpaticamente que o livro estava esgotado mas que me enviava a versão em PDF... E lá estava ele, bonitinho e anexado, o belo do documento! Nem sabia bem o que responder, ocorreu-me um "o senhor é a pessoa mais fofinha de sempre, beijinhos e cutxicutxi para si" mas pareceu-me forçado e fiquei-me por um "Muchas, muchas gracias. Saludos".